SÃO PAULO, 8 Abr (Reuters) - Os investimentos bilionários alardeados pelo setor automotivo no Brasil correm o risco de serem revistos após a implementação das tarifas de importação dos Estados Unidos e pela carência de mecanismos de proteção comercial implementados pelo governo federal, afirmou o presidente da associação de montadoras, Anfavea, nesta terça-feira.
"Muitos investimentos que serão feitos no Brasil e Argentina deixarão de ser realizados diante da capacidade ociosa que se forma no México", disse Márcio de Lima Leite em sua última entrevista a jornalistas como presidente da entidade. "O Brasil pode ter esse impacto", acrescentou.
O executivo citou que, como os Estados Unidos mantêm elevadas tarifas de importação de veículos, "boa parte dos investimentos" pela indústria automotiva serão feitos no país no médio prazo, deixando uma capacidade ociosa elevada no México, cujas fábricas receberam recursos nos últimos anos para servirem de plataforma de exportação para os EUA.
Segundo a Anfavea, no ano passado, o México exportou aos EUA 3,2 milhões de veículos, o que correspondeu a 76% de sua produção. Os percentuais dos outros dois principais exportadores de veículos para os EUA, Canadá e México, foram de 69% e 38%, disse a entidade, citando ainda que o mercado dos EUA pode encolher em 1 milhão de veículos no curto prazo após as elevações tarifárias anunciadas por Donald Trump.
"Para utilizar essa capacidade (ociosa no México), investimentos que seriam feitos na América Latina deixarão de ser feitos para se utilizar mais o México", disse o presidente da Anfavea. "As empresas (montadoras) são as mesmas, o bolso é um só."
"Por que eu vou investir no Brasil, se tenho capacidade ociosa no México, na Coreia e no Canadá?", exemplificou o presidente da entidade formada por montadoras como Stellantis STLA.MI, General Motors GM.N, Volkswagen VOWG_p.DE, Toyota 7267.T, Renault RENA.PA, Honda 7203.T, e Hyundai 005380.KS.
"Algumas marcas serão mais impactadas, outras menos e outras não terão impacto", acrescentou, evitando comentar nomes.
A perspectiva de redirecionamento de parte da produção mexicana de veículos para o Brasil, segundo o executivo, é reforçada pelo acordo de livre comércio no setor entre ambos os países e pelo custo menor de produção no México, disse, sem dar detalhes.
Em março, a produção brasileira de veículos caiu 12,6% sobre fevereiro e 2,9% sobre um ano antes, para 190.008 unidades, algo que Leite atribuiu a um "ajuste de estoques", que encerraram em 244,3 mil unidades ante 252,3 mil em fevereiro.
No trimestre, houve crescimento de 8,3%, para cerca de 583 mil veículos, alimentado em parte pelo forte incremento de exportações do Brasil para a Argentina, que cresceram 120% sobre um ano antes, para 67,6 mil unidades.
As vendas de veículos novos subiram 5,7% em março na comparação mensal e avançaram 4,2% na base anual, encerrando o trimestre com aumento de 7,2%. Em março, os emplacamentos somaram 195,5 mil veículos e no trimestre totalizaram 551,7 mil.
Segundo o presidente da Anfavea, o crescimento de março foi fomentado por vendas diretas, que normalmente carregam margens menores de lucro e que ocorrem entre grandes frotistas - como locadoras - e montadoras. Contribuíram também para o crescimento das vendas o volume de importados emplacados, disse o executivo.
COBRANÇAS
Na entrevista a jornalistas sobre o desempenho do setor em março, Leite afirmou que é "urgente" a regulamentação pelo governo federal do programa automotivo Mover, com a implementação do chamado "IPI Verde", que prevê alíquota reduzida ou mesmo zerada para veículos de baixa emissão de CO2.
O Mover foi criado via Medida Provisória no final de 2023 e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho do ano passado.
Segundo Leite, a não regulamentação é outro fator, aliado à guerra comercial iniciada pelos EUA, que prejudica a "previsibilidade" dos investimentos de cerca de R$180 bilhões anunciados pelo setor automotivo nos primeiros anos do terceiro mandato de Lula.
O presidente da Anfavea também defendeu que o governo federal não deve aprovar três pedidos de grupos chineses para redução de imposto de importação sobre CKDs e SKDs de carros elétricos e híbridos. As siglas se referem a kits de peças produzidas em outros país e que são usadas para montagem de veículos inteiros no Brasil.
Leite não citou quando os pedidos foram feitos ao governo ou qual grupo apresentou os pleitos. Atualmente, segundo a Anfavea, o imposto de SKD varia de 20 a 35% e em CKD de 7% a 35% e os pedidos querem uma redução para 10% e 5%, respectivamente.
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) não pôde se pronunciar de imediato.
"Não há ambiente para isso avançar e se avançar vai ter impacto em empregos e investimentos", afirmou o presidente da Anfavea.