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Incerteza em eleições, fiscal e juros rondam mercados no segundo semestre

23 de jul de 2024 às 14:40

Investing.com – Enquanto publicações internacionais criticam gastos elevados com as eleições municipais brasileiras e destacam a necessidade de cortes, a situação das contas públicas é somente uma das incertezas relacionadas à economia e aos mercados brasileiros no segundo semestre deste ano. Outros fatores podem trazer volatilidade e tensões nos meses por vir – alguns deles no mercado interno, outros no cenário internacional.

No exterior, o maior peso está na política monetária americana (e se afinal, os cortes saem ou não) e nas eleições dos Estados Unidos, após últimas semanas de reviravoltas na corrida para a Casa Branca. Uma possível correção em índices de Wall Street e ações de big techs, com valuations considerados elevados, é um risco plausível. O fator China também é monitorado de perto, após o gigante asiático anunciar medidas para impulsionar a economia diante de uma retomada pós-covid considerada difícil por analistas. Segundo o ING, a “recente onda de dados fracos aumentou a pressão para flexibilização monetária”. Ainda, um cenário geopolítico conturbado, com continuidade de guerras no Oriente Médio e conflito Rússia-Ucrânia demonstram que as tratativas para a paz parecem longe de serem alcançadas.

Mas como o Brasil pode aproveitar as oportunidades do segundo semestre? No entendimento de economistas, o governo precisa demonstrar compromisso com o equilíbrio fiscal. Ainda que o anúncio de contenção bilionária tenha sido um passo para tal, permeia a desconfiança se as metas do arcabouço fiscal serão cumpridas.

A indicação de um novo presidente do Banco Central brasileiro também traz dúvidas, e a visão é de que o substituto do atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, deve ser alinhado com as regras atuais que preveem autonomia para sua atuação em busca do controle inflacionário.

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Eleições nos EUA com Trump como favorito

As eleições americanas tendem a trazer volatilidade para os mercados, principalmente no período mais próximo do pleito. Após a participação de Joe Biden no debate contra Donald Trump em 27 de junho considerada desastrosa para os democratas, as pesquisas indicaram maiores chances de vitória para o ex-presidente Donald Trump – o que foi impulsionado pela tentativa de assassinato contra o republicano.

LEIA MAIS: Eleições nos EUA em 2024 e efeitos nos mercados financeiros

Agora, as incertezas pairam sobre quem será o novo candidato na corrida presidencial, após a desistência de Biden, que apoiou o nome de sua vice, Kamala Harris, para ser a candidata democrata na disputa. Uma eventual confirmação ainda precisa ser feita pelo partido.

A saída de Biden da corrida presidencial pode fazer com que investidores desfaçam negócios apostando que uma vitória republicana aumentaria as pressões fiscais e inflacionárias dos EUA, enquanto alguns analistas disseram que os mercados podem se beneficiar de uma maior chance de um governo dividido sob a próxima administração.

Na opinião da revista The Economist, Biden deu aos democratas uma segunda chance de conquistar a vitória. “Graças à retirada do Sr. Biden, ele ainda é derrotável”, afirmou a publicação, em referência à Trump. Analistas citam possíveis mudanças no chamado “Trump-trade”, ou seja, posicionamentos com base na visão de que uma vitória de Trump levaria a medidas como corte de gastos e olhar mais atento para o mercado de petróleo. A percepção de risco fiscal aumenta diante da situação orçamentária dos Estados Unidos, com déficits continuamente elevados nos últimos governos.

Com uma possível eleição de Trump, a tendência seria de “favorecimento de ações de empresas petrolíferas, big techs, farmacêuticas e de defesa, mas com aumento do rendimento em aplicações de renda fixa no Tesouro americano com o avanço do risco fiscal”, destaca Leandro Manzoni, analista de economia do Investing.com.

Medidas protecionistas também entram em foco – e seus impactos inflacionários. Entre possíveis políticas adotadas em um eventual mandato de Trump estão adoção de tarifas contra importações chinesas, em um ambiente de maiores críticas do republicano contra as políticas adotadas pelo gigante asiático.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproximou de Biden quando foi reeleito, mas declarou que, com Donald Trump ou um democrata, as relações entre Brasil e Estados Unidos seguirão civilizadas.

Política monetária americana – cortes em setembro ocorrerão?

O humor dos mercados neste segundo semestre deve depender de um eventual início do ciclo de corte de juros nos Estados Unidos. As apostas de um início do afrouxamento em setembro foram elevadas novamente, após dados que indicam perda da força da inflação. O Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA) vem reforçando que só iniciará o ciclo de cortes quando tiver confiança de que a inflação segue de forma sustentável à meta de 2% - com cenário mais benéfico nas últimas leituras. O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que a autoridade monetária americana não vai esperar que os preços ao consumidor cheguem à meta para iniciar a trajetória de queda.

Cortes nas taxas de juros podem beneficiar mercados emergentes, incluindo o Brasil, que teve um primeiro semestre difícil para a bolsa de valores. Este seria o primeiro corte nas fed funds desde o início da pandemia em 2020. Os últimos comunicados mostram um Fed dependente de dados, o que abre margem para mais cortes neste ano.

“Se os dirigentes do Fed começarem a sinalizar, a partir próxima reunião em 31 de julho, o início de corte de juros para setembro, a tendência é da continuação do retorno dos estrangeiros às compras na bolsa brasileira, em um nível mais intenso ao verificado na primeira quinzena de julho. Com isso, o dólar tende a cair em relação ao real”, completa Manzoni.

Definição do novo presidente do Banco Central - Galípolo será confirmado?

Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmar que ainda não há definição do nome do indicado para presidir a autoridade monetária brasileira, o mercado espera que o atual diretor Gabriel Galípolo seja o nome escolhido. Resta saber, no entanto, qual será seu comprometimento com a meta inflacionária, segundo economistas consultados pelo Investing.com Brasil, que avaliam que ele precisará provar que não é leniente com a inflação e que, no cenário atual, haveria pouco espaço para tal.

“Ele vai ter que provar que não é leniente com a inflação. Ou seja, ele vai ter que sinalizar para o mercado, tanto com palavras quanto com ações, de que ele não é essa pessoa”, apontou a economista Paula Magalhães, doutora pela EESP-FGV, que já ocupou o cargo de economista-chefe da A. C. Pastore & Associados, de Affonso Celso Pastore, falecido neste ano. Leia a entrevista completa ao Investing.com Brasil.

Lula moderou as críticas contra o BC após o dólar ter alcançado R$5,70, mas a tensão na relação entre o governo e o atual presidente Roberto Campos Neto foi acirrada nos últimos meses. As críticas de Lula foram uma constante: contra RCN, contra o patamar da Selic, contra a autonomia do BC.

Magalhães aponta que pesquisas indicam que a popularidade do presidente pode até subir com essas críticas, mas haveria um limite para tal, quando as falas refletem demasiadamente no preço dos ativos. Um dólar mais elevado pode piorar o cenário para a Selic e fazer com que os juros precisem subir novamente – tudo o que o governo não quer neste momento, em ano de eleições municipais.

Um novo Banco Central não teria espaço para “invenção e aventuras”, de acordo com Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, que tratou do tema também em entrevista.

“Se o Banco Central tentasse fazer cair a taxa de juros na marra, forçar uma queda da Selic, a resposta ia ser uma alta significativa das expectativas da inflação, das taxas longas, o que na verdade ia prejudicar o próprio crescimento do país lá na frente em 2026, em ano eleitoral”, detalha o economista.

Com a deterioração das expectativas inflacionárias, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu pausar os cortes na taxa de juros básica da economia brasileira (Selic), e a expectativa de consenso é de que ela siga no mesmo patamar até o final do ano, pelo menos, em 10,5%. Uma atividade econômica resiliente e um mercado de trabalho aquecido, assim como projeções de inflação desancoradas, pesam contra a retomada no ciclo de queda da Selic.

Cenário fiscal – Governo conseguirá cumprir arcabouço fiscal?

A incerteza em relação ao cumprimento das metas fiscais levou ao anúncio do governo federal de uma contenção de R$15 bilhões. O foco da equipe econômica seria levar o déficit primário do governo central ao patamar de R$28,8 bilhões neste ano, limite inferior da margem de tolerância da meta de déficit zero, após revisão frente ao relatório anterior, divulgado em maio, quando projetava déficit de R$14,5 bilhões. A tolerância do arcabouço fiscal é de déficit de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).

A percepção de que as contas públicas estão descontroladas não é só interna. “Para deter o declínio do Brasil, Lula precisa cortar gastos públicos descontrolados”, alerta a The Economist em publicação recente.

A contenção foi avaliada como um passo na direção correta, mas provavelmente insuficiente. “Nem nós nem o consenso esperamos que o governo cumpra as metas de resultado primário equilibrado (ex. taxas de juros) neste ano, chegando de um déficit de 2,3% no ano passado, mas o crescimento elevado das despesas públicas até agora no ano desafia o quadro fiscal e aumenta o risco de um fim antecipado da credibilidade desta ferramenta que reduziu os riscos fiscais no ano passado”, afirmam os economistas do banco JP Morgan em relatório, em que reforçam a importância de sinais sólidos de contenção de gastos para diminuir o estresse no mercado.

Economistas da Warren Investimentos e do Santander Brasil (BVMF:SANB11) consideram as projeções de gastos com benefícios subestimadas e, assim, novos ajustes seriam necessários.

Nesta semana, o presidente Lula disse que o governo vai realizar congelamento de despesas orçamentárias sempre que for necessário – mas o mercado enxerga o tema com desconfiança. Segundo o presidente, se não houvesse desoneração na folha de pagamentos dos setores que mais empregam na economia, não seria preciso realizar bloqueios.

O impasse sobre a desoneração da folha para 17 setores da economia e municípios com até 156,2 mil habitantes deve ser tratado pelo Congresso no segundo semestre. A desoneração da folha teve início no governo da então presidente Dilma Rousseff (PT), e deveria ter sido temporária. No entanto, veio sendo renovada após pressão dos setores e de parlamentares.

No ano passado, Lula vetou o projeto de lei que previa a prorrogação por mais quatro anos, mas o veto foi derrubado pelo Congresso, e tentou estabelecer a retomada da cobrança via Medida Provisória (MP) – o que também não vingou.

O Supremo Tribunal Federal (STF) prorrogou até setembro o prazo para acordo sobre a desoneração da folha, envolvendo a compensação financeira da União pela perda de arrecadação nos setores. Até lá, nada definido.

Eleições municipais brasileiras mais caras da história

As eleições brasileiras serão como um “teste” em relação à aprovação do governo do presidente petista e um mecanismo de fortalecimento da presença local de partidos. Em meio à pressão de ajustes nas contas públicas, o país deve gastar R$4,9 bilhões com as eleições municipais – as mais caras da história. Os gastos são tão robustos quanto o de eleições presidenciais. Em 2020, o pleito local custou menos da metade, R$2,1 bilhões.

A estratégia de disponibilizar recursos vultuosos ocorre após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), e vem sendo defendida por legisladores por serem “essenciais para a democracia”.

Falta de transparência e mecanismos de desvios, como candidatos que não concorrem efetivamente, mas disponibilizam os recursos de forma fraudulenta, foram alguns dos pontos mencionados pelo jornal Financial Times, que divulgou uma reportagem sobre o “fundão”.

A publicação aponta ainda maior influência dos parlamentares no controle orçamentário, tendo em vista que partidos políticos e líderes no Congresso passam a deter fatia cada vez mais robusta por meio de emendas direcionadas a suas bases eleitorais, o que cria, no entendimento do FT, uma “crise de governabilidade para o presidente”.

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